Caminhoneiros, organizados e politizados, dão ultimatos. Reivindicam que a Petrobras cancele os reajustes dos combustíveis praticados nas refinarias — e que acabam refletindo, imediatamente, nas bombas dos postos. Exigem que o Congresso Nacional aprove duas Propostas de Emenda Constitucionais: a que compensa Estados que zerarem o ICMS sobre o gás de cozinha, gás natural e diesel e a que garante benefício tributário a produtores (e comercializadores) de biocombustíveis como o etanol. Também pressionam o Parlamento para que aprove, com urgência, o Projeto de Lei 943/2022, de autoria do deputado federal Celso Russomano (Republicanos-SP). A regra “institui o escrutínio público de votos e veda o exercício na modalidade exclusivamente eletrônica”. A ideia é que isso já valha na eleição 2022 — o que vai contra a vontade da Justiça Eleitoral. Caso não sejam atendidos, os motoristas prometem parar o país nos próximos 20 dias.
Excetuando uma “greve” — cujos impactos políticos e econômicos podem fugir ao controle —, a movimentação dos caminhoneiros interessa a Jair Messias Bolsonaro. Definitivamente, o presidente declarou guerra à estatal de economia mista, da qual a União é a acionista majoritária. Bolsonaro tuitou: “A Petrobras pode mergulhar o Brasil num caos. Seu presidente, diretores e conselheiros bem sabem do que aconteceu com a greve dos caminhoneiros em 2018, e as consequências nefastas para a economia do Brasil e a vida do nosso povo. O governo federal, como acionista, é contra qualquer reajuste dos combustíveis, não só pelo exagerado lucro da Petrobras em plena crise mundial, bem como pelo interesse público previsto na Lei das Estatais”. É baseado em tais argumentos que Bolsonaro apoia uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a petrolífera. Mas uma CPI tem tudo para não sair, por dois motivos. Primeiro, a prioridade máxima dos parlamentares é eleição/reeleição. Além disso, bilionários e milionários (financiadores indiretos de campanha) já fazem pressão, nos bastidores, para que qualquer investigação não aconteça.
Perguntar não ofende: é moral, ética, econômica e politicamente correto que, em meio a uma crise inflacionária (nacional e mundial), a Petrobras aprove, em seu balanço, uma reserva de R$ 200 bilhões para pagar dividendos a seus acionistas, mas também a diretores e conselheiros? Por que a empresa não provisiona R$ 60 bilhões para indenizar investidores (minoritários) na B3 (Bolsa de Valores) lesados pela corrupção do Petrolão? As respostas são tão óbvias e ululantes que a pressão subiu e pode aumentar mais que combustível na bomba dos postos de serviços. Encurralado, o presidente da Petrobrás, José Mauro Coelho, pediu para sair. A companhia tem de convocar uma Assembleia Extraordinária para eleger o substituto e homologar os nomes dos novos componentes dos Conselhos de Administração e Fiscal. O presidente Bolsonaro também deseja uma mudança mais ampla na diretoria da empresa, sobretudo no setor jurídico, no qual nenhuma figura se alterou desde a Era PT — o que sugere um certo “aparelhamento” do comando da “estatal”.
Está em xeque (mate) o modelo de “empresa de economia mista”. Afinal, na hora que as crises econômicas apertam, sempre fica no ar o dilema: qual interesse deve ser atendido, prioritariamente: a remuneração e lucratividade dos “investidores” (mi ou bilionários acionistas “minoritários” e a majoritária União Federal)? Ou o mais sensato é beneficiar a economia popular de quem compra combustível, cujo encarecimento provoca aumento direto e indireto da “inflação” (perda do poder de compra + reajuste — muitas vezes especulativo — dos preços de todos os produtos e serviços)? A questão é muito mais complexa do que abrir uma CPI para investigar a “política de preços da Petrobras”. O bom senso exige um debate sério sobre a estrutura estatal brasileira e o modelo econômico que privilegia “cartórios e cartéis”, geralmente com corrupção no meio.
O modelo é catastrófico! O problema da Petrobras está na formatação da sua planilha de custo do seu CPV (Custo do Produto Vendido). A “estatal” compra, mas também exporta petróleo (em dólar). Ao contabilizar os barris necessários para apurar o custeio como se todos fossem comprados externamente a preços que os cartéis petrolíferos impõem, e sem considerar o preço real da produção interna — ou ainda, sem considerar as exportações —, o custo fica altamente elevado. Seria relevante investigar se a empresa usa no “custeio” o petróleo nacional produzido — como se fosse internacional. Além disso, vale lembrar que o Brasil é obrigado a importar combustível refinado porque não tem refinarias em quantidade, qualidade e capacidade suficientes para produzir o que o mercado interno precisa.
Para completar a confusão, a Petrobras não pode ser responsabilizada (sozinha) pela importação (cada vez mais cara) de combustível, principalmente o diesel. No Brasil, ganharam protagonismo as empresas filiadas à Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis. Apesar do reajuste decidido pela Petrobras nas refinarias, a Abicom calcula que a defasagem é de 9% no diesel e 5% na gasolina, em relação aos preços internacionais. A entidade estima que a estatal precisa aumentar em média o diesel em mais R$ 0,52 por litro e a gasolina em R$ 0,22 para atingir o preço de paridade de importação.
Por fim, há outro problema objetivo na extração, compra e venda do “nosso” (?) petróleo, extraído, em média, a US$ 4 o barril. A famosa regra de paridade, estabelecida por Pedro Parente no governo Michel Temer, não é com a cotação do dólar, mas, sim, com o valor no mercado SPOT, no qual o petróleo chega a custar US$ 100 o barril. Simplificando o raciocínio, nós pagamos 2000% a mais pelo “nosso” petróleo, que jorra a US$ 4 nos campos brasileiros de exploração. Na prática, o Brasil está importando (e o povo pagando o preço da guerra da Rússia contra a Ucrânia), com a carestia do gás e do petróleo no mercado internacional. É por isso, faturando também em dólar, nas exportações, que a Petrobras lucrou tanto para seus acionistas (gerando dividendos polpudos para diretores e conselheiros).
Resumindo: O povo arca com os aumentos de todos os preços. Para piorar, a sociedade brasileira não consegue promover um debate racional sobre o problema, que tem a ver com uma mistura explosiva de monopólio estatal, confisco tributário e inflação permanente. Ainda bem que o complexo assunto se torna pauta diária das transmissões dos “Tios e Tias do Zap” nas redes sociais da internet. O conhecimento dessa realidade mobiliza os caminhoneiros que, a partir de iniciativas individuais, se organizam e partem para ousadas pressões sobre o governo, os políticos e a Petrobras. Isso é TDB (Tudo de Bom!) para a construção da democracia! Trata-se da Evolução Brasileira em andamento!